Parentes

 

migo a gente escolhe, família a gente engole. Ignorando essa máxima popular, como costumam ignorar tudo o mais ligado a nossa sofrida população, nossos políticos sempre escolhem a família na hora de preencher cargos de farta remuneração e resumidas atribuições. E cinicamente defendem essa iníqua posição na hora que esse gravíssimo tema é trazido à discussão no Congresso, pretendendo atribuir ao princípio bíblico de Mateus, primeiro os teus a sua falha moral. Mas essa passagem só é encontrada nas bíblias de religiões alternativas, nunca nas que receberam o imprimatur da nossa Santa Madre Igreja, nas quais, muito pelo contrário, vemos que o emprego de parentes sempre foi execrado.

Ora, me perguntareis, não escolheu o Altíssimo o seu próprio filho Jesus para ser Nosso Senhor e para sentar-lhe à mão direita? E não colocou esse a própria mãe, para que recebesse as homenagens e contribuições dos fieis? E eu vos respondo que é até pecado pensar nisso. Ao Senhor não nos cabe pedir contas. E afinal, lá é o Reino dos Céus, e não a República Federativa dos Céus. E reinado é isso aí.

Nosso Senhor Jesus Cristo nos deu o exemplo ao escolher os seus discípulos, não reservando nenhum lugar para seus parentes de sangue, escolhendo-os entre a população, independente de cor raça ou religião. Ora - me perguntareis - e que parentes tinha ele para contratar? E eu vos responderei: João Batista! Não era ele primo em terceiro grau do Senhor e a quem o Senhor devia favor, tendo sido por ele batizado e promovido? Ora - insistireis - e a essa altura João Batista não tinha perdido a cabeça por Salomé? E eu vos perguntarei de volta: e desde quando isso empataria um dos nossos  inventivos representantes? Quantos funcionários fantasmas não existem nas suas folhas, sem contar os inúmeros paletós?

Como podeis dizer que não houve preconceito de raça e religião, se todos os discípulos eram judeus - insistireis. E pacientemente vos esclarecerei: apenas por falta de opção, pois além dos judeus só viviam no pedaço uns romanos tolos que nem em Deus acreditavam, prestando suas homenagens e contribuições a falsos deuses de características humanas, que volta e meia vinham à terra para engravidar virgens e gerarem semi-deuses, e uma igreja com poderes de divinizar humanos, lhes dedicando templos e devoção, coisa que nenhum indivíduo esclarecido mesmo naquela época poderia jamais aceitar.

E me inquirireis - não é verdade que os discípulos foram contratados sem concurso público? - E eu, já sem paciência para ouvir tanta sandice e má vontade para com meus argumentos e a minha pregação, arrematarei: se quereis apoiar essa corja de vagabundos, o façais. Mas esse santo homem aqui continua achando tudo uma grande sem-vergonhice.

Oremus

Padre Américo

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